Prezados, estive ausente por um tempo e agora estou retornando com uma linda cartinha elaborada por minha sobrinha Marília, a qual foi vencedora do primeiro prêmio do concurso Mundial dos Correios em 2005, quando tinha 14 anos de idade.
"Querida Chapeuzinho Vermelho,
Nosso
primeiro contato aconteceu quando eu tinha seis anos de idade, não me lembro
bem quem abriu as portas desse universo repleto de vida, alegria e finais
felizes para mim. Talvez tenha sido minha mãe, talvez minha tia.
Minhas
recordações mais certas são as das viagens que eu fazia. Nem era preciso fechar
os olhos e, num instante, meu pensamento guiava-me para longe, percorria
distâncias incalculáveis, pisava terras jamais alcançadas pelo homem. Vivia
envolta nas imagens, nas palavras dos
contos infantis que eram e ainda são meu refúgio, meu paraíso particular.
De
vez em quando, não sei se sonhava ou sentia a menina do chapéu vermelho
juntando minhas mãos às suas, abrindo um doce sorriso e me levando junto
consigo para a terra dos que veem estrelas de dia, daquelas que, na mais repleta escuridão,
enxergam a intensa luz que nunca há de apagar. E lá era o lugar ideal, onde
todo sofrimento passava, qualquer doença por si mesma sarava e a guerra que
começasse instantaneamente findava.
Era
tão bom acreditar na existência do mundo perfeito, ter a certeza de que, toda
vez que desejasse, você viria me buscar, eu sairia da minha realidade e,
juntas, iríamos passar pelos jardins dos sonhos, viver a fantasia de mil anos
em alguns minutos.
Essa
capacidade de voar dentro de mim mesma, de transportar-me de qualquer situação
na velocidade da luz, de criar as mais incríveis histórias, ou até mesmo de
possuir no lugar do cérebro um baú lotado com os tesouros do imaginário,
ajudou;me a descobrir o que havia além das palavras e ilustrações, as quais
despertaram em mim uma das maiores habilidades que uma criança pode ter: a de
deixar-se conduzir pelos caminhos intermináveis do saber, de explorar cada
trecho da história, de envolver-se nela como alguém que mergulha em sua própria
vida. Hoje, Chapeuzinho, aos quatorze anos, não tenho mais a mesma capacidade
de sair flutuando no meu pensar.
Queria
tanto que minha mente voltasse a ter o peso e, ao mesmo tempo, a facilidade de
voar de uma pluma.
Mas
não fique triste, minha doce menina, não pense que me esqueci de tudo que
aprendi com você. Sei que a intenção dos adultos, ao gentilmente contar-me seu
conto de fadas, foi fazer com que eu aprendesse a não falar com estranhos, a
obedecer a minha mãe e a ajudar as pessoas. Só
que isso em tudo que é lugar se fala. Ninguém me ensinou a acreditar em
meus sonhos, a reconhecer que eles são a única coisa a que tenho direito, e que
de mim ninguém pode tirar.
Creio
que o mais importante, para uma criança e para um ser humano de qualquer idade,
eu aprendi com você. Adquirir a aptidão de ir além de onde meus pés pisam e
minha vista alcança, mais adiante, do limite que meu corpo aquentasse chegar.
O
que eu não consigo compreender é o motivo pelo qual este tempo de tão doce
ilusão dura tão pouco. Por que só podemos crer nos contos de fadas durante a
infância?
Desejo
muito conhecer a razão que levou o homem a criar tão perfeitas criaturas e seu
mundo encantado, se não permanecem conosco pelo resto de nossas existências.
Às
vezes, Chapeuzinho, pergunto-me qual das partes sofre mais com a separação. Se
é a criança, que amadurece, ou o personagem, que vai perdendo espaço em sua
vida. Sinceramente tenho a impressão de que o lado mais sofrido é o do
personagem, pois a criança o esquece, mas continua vivendo, e quem é esquecido
faz parte do passado, é obrigado a retirar-se da vida de quem o cativou.
Deve
ser difícil aceitar a nobre condenação
imposta a vocês pelos seus
criadores. Ter de viver eternamente ao longo dos dias, das décadas e dos séculos resistindo bravamente às
transformações causadas pelo tempo, seguindo pelo planeta Terra afora, nascendo
toda vez que sua história é contada, mas também morrendo quando, de repente,
quem ouviu e se maravilhou com ela perde a crença e se esquece dos momentos
mágicos que viveu enquanto acreditou.
Eu
lhe prometo, Chapeuzinho, nunca vou abandonar você como uma alegria das
minhas fantasias de menina. E, mesmo que
eu cresça e passe por todas as mudanças que terei de passar, não tenha dúvidas
de que você continuará sendo a minha melhor amiga dos contos de fadas.
Vou
admirá-la e gostar de você pelo resto dos meus dias, não com a ingenuidade de
uma criança, mas com a maturidade de alguém que percebe que viver de
imaginação pode ser perigoso, mas viver
sem ela é não estar aberto à magia que um simples conto de fadas insere em quem
nele crê.
Um
beijo carinhosamente imaginado, recomendações
a sua mãe e à vovo.
Até
algum dia..."
Marília Silva de Moura.