terça-feira, 3 de abril de 2012

"A REVOLTA DAS PALAVRAS"

INTRODUÇÃO

Uma maneira prática e simples para entendermos o estudo dos empréstimos linguísticos é através de fábulas, citado inclusive por Nelly Carvalho, Professora da Universidade Federal de Pernambuco, em seu texto “Empréstimos Linguísticos”.

Segundo ela, os contos, as parábulas, as lendas, recolhendo narrativas populares, contam de forma simples, linhas gerais do comportamento humano nos seus aspectos sociais, psicológicos e até mesmo linguísticos. Sendo assim a esta é uma das formas para representar os arquitetos humanos. Em resumo: - as fábulas contém, condensadas em pílulas, as verdades humanas. Até mesmo, biblicamente falando, Jesus Cristo, utilizou este recurso para tingir o objetivo de uma melhor compreensão para suas mensagens.

A fábula foi escrita por Adair Pimentel Palácio, “ A Revolta das Palavras” é uma fábula moderna e muito interessante. Tenho a certeza que será admirada por todos aqueles que a lerem.


"Língua portuguesa convocou todas as palavras para uma Assembléia Geral. O motivo foi o veemente apelo que lhe fizeram alguns de seus súditos mais fiéis que se vangloriavam de conhecê-la por dentro e por fora.

Ela ia passando faceira em seu gingado natural, engordando uns quilinhos aqui, ao ingerir palavrinhas novas, e emagrecendo acolá como sói acontecer às línguas, que,sendo gulosas por natureza, alimentam-se de gregos e troianos. Mas os súditos fiéis interromperam sua marcha normal para reclamar a deformação que vinha sofrendo sua bela figura, causada, principalmente, por estrangeirismos abomináveis. A “mui fremosa senhora”, que é muito vaidosa, concordou com a idéia.
O planejamento do conclave ficou a cargo dos seus Ministros: os Adverbios de Tempo, Modo e Lugar. Lugar determinou que a reunião realizar-se-ia na Mansão Verde-Amarelo, por ser a maior de suas casas, e assim poder acomodar todo mundo. Advérbio de Tempo determinou que a Assembléia seria agora. Como Advérbio de Modo, que muito mente, disse que estava doente, a forma do conclave ficou meio indefinida.

Houve convocação compulsória para os formadores da estrutura gramatical como os Artigos, as Preposições, as Conjuções, as Flexões, os Verbos Auiliares e outros, todos soldadinhos pequeninos, mas de tal eficiência que se constituem na guarda de sua majestade.

As Flexões, como se sabe, por serem sufixos só tem um braço, o esquerdo. As Interjeições, coitadas, formam uma classe marginalizada. Ficou determinado que elas se encarregariam dos “ohs” e “ahs” durante a sessão.

As demais palavras foram convidadas, mas não estavam obrigadas a comparecer. Assim, os Arcaísmos decidiram não ir, por serem muito velhos.

No momento fixado foram chegando convocados e convidados.

Os prefixos gregos e latinos, todos manetas, chegaram vestidos a caráter. Os gregos com túnicas brancas e leves, um ombro descoberto, usavam sandálias com tiras cruzadas nas pernas. Os latinos, muito romanos, usavam braceletes no braço que lhes restava, o direito, e à cabeça traziam coroas de louros. Eles tinham o ar de superioridades que só o poder consente.

Como são ativos esses prefixos – todos metidos a besta e muito unissex. Tele mantinha um ar distante. O “A” grego tudo negava, e o latino ora aproximava-se, ora afastavam-se e, às vezes, também negava. Anti e Ante chegaram juntos, este último precedendo o primeiro, que, como o “A” grego, acima descrito, também é da oposição.

No momento certo todos tomaram seus lugares. A tribuna de honra fora reservada para a nobreza. Latinos e gregos ocuparam-na.

As palavras de origem latina constituiam a maior parte do plenário; As eruditas sentaram-se logo na frente; depois sentaram-se as populares. Em seguida sentaram-se as multinacionais: empréstimos franceses, muito perfumados por Dior; ingleses, usando sua melhor gabardina; italianos, quase todos muito musicais; alemães, todos muito marciais. Os africanos de diversas regiões cheiravam à comida gostosa e coloriam o plenário com símbolos religiosos. Eu quase esquecia de dizer que, a um canto, estavam Açúcar, Alcatifa e outros árabes de turbante, alguns dos quais representantes da OPEP.

Lá em cima, na galeria, instalaram-se os neologismos, as sigas, as abreveações famosas. Nos corredores e escadas, sentadas pelo chaão, estavam as gírias, bem hippies, mal comportadas como elas só – assobiando, conversando, comendo pipoca, mascando chicletes, fumando e botando cinza no chão.

Finalmente foi aberta a sessão. Como Língua Portuguesa não havia tido a devida assessoria de seu Ministro, Advérbio de Modo, não sabia bem como encaminhar os trabalhos. Um pouco titubeante, ela começou solicitando que quem não fosse completamente brasileiro se retirasse. Foi um alvoroço. Levantou-se todo mundo. Só ficaram sentadas uma meia dúzia de palavras que, embora nuas, estavam revestidas de muita brasilidade. Eram as de origem indígena. Jacaré cutucou Jaguar e ambos riram da mancada da bela senhora.

Percebendo sua precipitação, Língua Portuguesa pigarreou, pediu ordem no plenário e reformulou suas palavras, convidando a retirarem-se as palavras que não fossem legitimamente vernáculas.

Novamente deu confusão pela profusão de elementos que se levantaram, uns conformados, outros protestando veementemente. Alguns até alegaram pertencer à terceira ou quarta geração de aportuguesados e ter compatriotas com muito status, ocupando altos cargos governamentais e políticos e com poder econômico intontestável.

Língua Portuguesa pensou: “assim não dá”, e resolveu pedir que se apresentassem uma a uma das palavras estrangeiras para contar sua história. Assim, ela teria condições de julgar.

A primeira a apresentar-se foi Xícara, que disse ser uma nauatl pura, mas não sabia bem se do México ou da América Central (palavras não conhecem fronteiras). Disse que vivia bem em seu rincão natal, quando um espanhol dela usou e abusou. O mesmo fizeram muitos de seus compatriotas que por ela se apaixonaram. Então, ela saiu de casa para viver com os espanhóis. Mas esses latinos volúveis logo se cansaram de sua beleza. Como estava longe de casa, ela entrou pela porta do Brasil, onde foi muito bem recebida, e assim foi ficando por aqui. Lembou até que causou confusão na Academia de Brasileira de Letras, quando discutiram sua frafia x com ch. Então ela disse:
“Andei, virei, mexi e parei aqui
Sou tão vernácula quanto você.
  • Sou um símbolo nacional
Quem me rejeitar
xicrinha de café não vai mais tomar”.

Língua Portuguesa ficou perplexa.Não se havia dado conta de tão grande verdade. Concedeu imediatamente vernaculania à palavra. A aclamação foi geral.

Quem sabe, talvez devêssemos tomar café em xícara com ch.

Aí...Futebol, sempre com a bola no pé, deu com o foot na ball e pediu a palavra. Levantou-se muito inglês, posudo, com o respaldo do Banco de Londres e da rainha, e com a aquiescência da Seleção, reivindicando que já tinha grafia própria. Que mais lhe faltava? Disse que se fosse banido não mais se faria jogo no Brasil.

A gleba de tricampeões explodiu.
Nesse momento, Ludopédio interveio:
“Vieste de longe, oh inglês,
usurpar o meu lugar
tal qual fizeste às Malvinas
E eu, como é que vou ficar?

Mas ninguém deu bola pra ele.

Língua Portuguesa, perdendo a postura e compostura, quase perdeu também o rebolado. Ficou nervosa. Em menos de um momento, concedeu vernaculania à palavra.
O triunfo desses itens lexicais estimulou outros tantos. Piano levantou-se, liderando seus compatriotas, alguns bem famosos como Ciao e Pizza, e reivindicou para os italianos o direito à vernaculania.

O tumulo que se seguiu foi geral. Saionara, Sputnik, Garçon e muitas outras palavras, cada qual liderando um contingente de compatriotas, gritaram por greve.

Língua português ficou atordoada. Viu-se diante de uma guerra sonora tão calamitosa que, se não fosse controlada rapidamente, desencadearia uma nudez continental. Muito doidona, enfurecida pela pressão dos súditos fiéis e vencida pelos argumentos incontestáveis dos componentes de seu próprio corpo, nomeou a Lingüística por interventora. Esta, embora sob protesto, deu fim à baderna. Pôs os pontos nos is explicando à mui formosa senhora toda a complexidade de sua estrutura. Ela compreendeu. Sorriu, deu de ombros e, assumindo sua própria natureza, dissolveu a Assembléia. Os súditos mais fiéis ficaram a ver navios e a Língua evoluiu, entrando por uma perna de pinto e saindo por uma perna de pato...

A fábula acima serve para evidenciar que o empréstimo lingüístico é tão antiga quanto a história da língua, ou melhor, quanto a própria língua.

Estes marcam as influências que uma língua A, veículo de uma cultura, sofreu através dos tempos, pelos elementos lingüísticos estrangeiros que adotou, retrato dos elementos culturais diversos, que também importou.

Mas... o que a fábula omite é que se a língua A não diversifica seu tipo de empréstimo (de línguas B, C, D), se permanentemente adota-os da língua B, vai se tornando cada dia mais diferenciada de si mesma, perdendo a própria identidade, lingüística e cultural.

E, como diz o filólogo Antonio Houaiss, a história nos ensina que os povos que assim o fizeram tornaram-se facilmente manipuláveis, acabando por perder a sua identidade, sua independência e, com ela, sua liberdade."



BIBLIOGRAFIA



CARVALHO, Nelly. Empréstimos Lingüísticos
PALÁCIO, Adair Pimentel. Guató, a língua dos índios canoeiros do rio Paraguai.  

2 comentários:

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  2. Obrigada pelo comentário! Acessei "Contando Historia" e adorei!

    Um beijo

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Um Pouco Sobre Minha História de

Um Pouco Sobre Minha História de

Vida

Nascida de família simples do interior da Bahia, em 03 de outubro de 1955, dia da eleição para Presidente da Republica, Juscelino Kubitschek, justamente, no momento em que minha mãe estava à caminho do posto eleitoral, sentiu a dor do porto e por isso não pode votar. Sendo a primogenita dos seis filhos da minha mãe e a quinta do meu pai, sempre sonhava acordada desde a infância. E, a partir desses sonhos juvenis é que as coisas foram acontecendo. Aos 12 anos de idade, dormia escutando um radinho de pilhas buscando a frequência de Londres para aprender inglês dormindo, pois a curiosidade de como vivam as pessoas em outros países era imensa. Aprendi inglês com o método "natural approach". Não frequentei cursinhos de inglês e por digitar muito, melhor dizer "datilografar" a gramática inglesa, aumentei a facilidade na escrita. Morei na Califórnia por 5 anos, e assim ampliei meus conhecimentos da língua inglesa e posteriormente é que cursei Letras Vernáculas, óbvio que com Inglês. A minha primeira viagem foi à Africa, precisamente em Lagos-Nigéria, onde permaneci longos meses, longos, porque foi numa época de guerrilhas (estado de sítio) destruição de correios, morte de Charles Chaplin, a qual que ocorreu justamente numa data inesquecível, no dia de Natal, quando me encontrava, numa casa de mulçumanos. Além de todos estes acontecimentos, não poderia deixar de mencionar também o show de Bob Marley, quando apresentava seu novo disco (vinil) "Kaya" para seus "irmãos de cor". Havia precariedade de linhas telefônicas, e o meu contato com a familia, praticamente não existia, sendo motivo de muita preocupação para meus pais. Além destes acontecimentos, o "FESTAC 77" (Festival da cultura negra internacional) tomou conta do continente africano, onde todas as nações negras do mundo se reuniram como uma espécie de "proclame" pela conquista de suas independencias.
Realmente não poderia de deixar de mencionar sobre essa experiência que muitos, até mesmo da minha familia, não conhecem detalhes. Para mim, foi de suma importância viver esta experiência, pois, como baiana, sinto o coração bater a força destes batuques, cuja história vem muito mais além dos preconceitos e disputas religiosas atuais. Personagens da música popular brasileira estiveram presentes como: Gilberto Gil, Caetano Veloso, dentre outros. Das apresentações, uma que se destacou para mim foi a de Bomba-Meu-Boi, por me fazer recordar a infância de um interior da Bahia, Jitaúna, onde o Bomba-Meu-Boi fazia parte da tradição folclórica. Sem sombra de dúvidas é um acervo histórico de muita importância para a nossa cultura. Casei-me pela primeira vez aos 18 anos, tenho duas filhas, dois netos e atualmente casada com italiano e vivemos entre a Itália e o Brasil. Trabalhei em diversas companhias e por último, em 1990, ingressei numa empresa multinacional na área de Recursos Humanos, permanecendo até minha aposentadoria em 2007. Por não exercer a minha profissão, propriamente dita " Professora", senti a necessidade de exercitar e compartilhar meus conhecimentos neste blog. Espero que agregue valor! Obrigada pela atenção!