INTRODUÇÃO
Uma maneira prática e
simples para entendermos o estudo dos empréstimos linguísticos é
através de fábulas, citado inclusive por Nelly Carvalho,
Professora da Universidade Federal de Pernambuco, em seu texto
“Empréstimos Linguísticos”.
Segundo ela, os contos,
as parábulas, as lendas, recolhendo narrativas populares, contam de
forma simples, linhas gerais do comportamento humano nos seus
aspectos sociais, psicológicos e até mesmo linguísticos. Sendo
assim a esta é uma das formas para representar os arquitetos
humanos. Em resumo: - as fábulas contém, condensadas em pílulas, as verdades humanas. Até mesmo, biblicamente falando, Jesus Cristo, utilizou este recurso para tingir o objetivo de uma melhor
compreensão para suas mensagens.
A fábula foi escrita por
Adair Pimentel Palácio, “ A Revolta das Palavras” é uma fábula
moderna e muito interessante. Tenho a certeza que será admirada por
todos aqueles que a lerem.
"Língua portuguesa
convocou todas as palavras para uma Assembléia Geral. O motivo foi o
veemente apelo que lhe fizeram alguns de seus súditos mais fiéis
que se vangloriavam de conhecê-la por dentro e por fora.
Ela ia passando faceira
em seu gingado natural, engordando uns quilinhos aqui, ao ingerir
palavrinhas novas, e emagrecendo acolá como sói acontecer às
línguas, que,sendo gulosas por natureza, alimentam-se de gregos
e troianos. Mas os súditos fiéis interromperam sua marcha
normal para reclamar a deformação que vinha sofrendo sua bela
figura, causada, principalmente, por estrangeirismos abomináveis. A
“mui fremosa senhora”, que é muito vaidosa, concordou com a
idéia.
O planejamento do
conclave ficou a cargo dos seus Ministros: os Adverbios de
Tempo, Modo e Lugar. Lugar determinou que a
reunião realizar-se-ia na Mansão Verde-Amarelo, por
ser a maior de suas casas, e assim poder acomodar todo mundo.
Advérbio de Tempo determinou que a Assembléia seria
agora. Como Advérbio de Modo, que muito mente,
disse que estava doente, a forma do conclave ficou meio indefinida.
Houve convocação
compulsória para os formadores da estrutura gramatical como os
Artigos, as Preposições, as Conjuções, as Flexões, os
Verbos Auiliares e outros, todos soldadinhos pequeninos, mas
de tal eficiência que se constituem na guarda de sua majestade.
As Flexões, como
se sabe, por serem sufixos só tem um braço, o esquerdo. As
Interjeições, coitadas, formam uma classe
marginalizada. Ficou determinado que elas se encarregariam dos “ohs”
e “ahs” durante a sessão.
As demais palavras foram
convidadas, mas não estavam obrigadas a comparecer. Assim, os
Arcaísmos
decidiram não ir, por serem muito velhos.
No momento fixado foram
chegando convocados e convidados.
Os prefixos gregos
e latinos, todos manetas, chegaram vestidos a caráter. Os
gregos com túnicas brancas e leves, um ombro
descoberto, usavam sandálias com tiras cruzadas nas pernas. Os
latinos, muito romanos, usavam braceletes no braço que
lhes restava, o direito, e à cabeça traziam coroas de louros. Eles
tinham o ar de superioridades que só o poder consente.
Como são ativos esses
prefixos – todos metidos a besta e muito unissex.
Tele mantinha um ar distante. O “A”
grego tudo negava, e o latino ora aproximava-se, ora afastavam-se e,
às vezes, também negava. Anti e Ante chegaram juntos,
este último precedendo o primeiro, que, como o “A” grego, acima
descrito, também é da oposição.
No momento certo todos
tomaram seus lugares. A tribuna de honra fora reservada para a
nobreza. Latinos e gregos ocuparam-na.
As palavras de origem
latina constituiam a maior parte do plenário; As
eruditas sentaram-se logo na frente; depois sentaram-se
as populares. Em seguida sentaram-se as multinacionais:
empréstimos franceses, muito perfumados por Dior;
ingleses, usando sua melhor gabardina;
italianos, quase todos muito musicais; alemães,
todos muito marciais. Os africanos de diversas regiões
cheiravam à comida gostosa e coloriam o plenário com símbolos
religiosos. Eu quase esquecia de dizer que, a um canto, estavam
Açúcar, Alcatifa e outros árabes de turbante,
alguns dos quais representantes da OPEP.
Lá em cima, na galeria,
instalaram-se os neologismos, as sigas, as abreveações
famosas. Nos corredores e escadas, sentadas pelo chaão, estavam as
gírias, bem hippies, mal comportadas
como elas só – assobiando, conversando, comendo pipoca, mascando
chicletes, fumando e botando cinza no chão.
Finalmente foi aberta a
sessão. Como Língua Portuguesa não havia tido a devida assessoria
de seu Ministro, Advérbio de Modo, não sabia bem como
encaminhar os trabalhos. Um pouco titubeante, ela começou
solicitando que quem não fosse completamente brasileiro se
retirasse. Foi um alvoroço. Levantou-se todo mundo. Só ficaram
sentadas uma meia dúzia de palavras que, embora nuas, estavam
revestidas de muita brasilidade. Eram as de origem indígena.
Jacaré cutucou Jaguar e ambos riram da
mancada da bela senhora.
Percebendo sua
precipitação, Língua Portuguesa pigarreou, pediu ordem no plenário
e reformulou suas palavras, convidando a retirarem-se as palavras que
não fossem legitimamente vernáculas.
Novamente deu confusão
pela profusão de elementos que se levantaram, uns conformados,
outros protestando veementemente. Alguns até alegaram pertencer à
terceira ou quarta geração de aportuguesados e ter compatriotas
com muito status, ocupando altos cargos governamentais e políticos e
com poder econômico intontestável.
Língua Portuguesa
pensou: “assim não dá”, e resolveu pedir que se apresentassem
uma a uma das palavras estrangeiras para contar sua história. Assim,
ela teria condições de julgar.
A primeira a
apresentar-se foi Xícara, que disse ser uma nauatl
pura, mas não sabia bem se do México ou da América Central
(palavras não conhecem fronteiras). Disse que vivia bem em seu
rincão natal, quando um espanhol dela usou e abusou. O mesmo fizeram
muitos de seus compatriotas que por ela se apaixonaram. Então, ela
saiu de casa para viver com os espanhóis. Mas esses latinos volúveis
logo se cansaram de sua beleza. Como estava longe de casa, ela entrou
pela porta do Brasil, onde foi muito bem recebida, e assim foi
ficando por aqui. Lembou até que causou confusão na Academia de
Brasileira de Letras, quando discutiram sua frafia x com ch. Então
ela disse:
“Andei, virei, mexi e
parei aqui
Sou tão vernácula
quanto você.
- Sou um símbolo nacional
Quem me rejeitar
xicrinha de café não
vai mais tomar”.
Língua Portuguesa ficou
perplexa.Não se havia dado conta de tão grande verdade. Concedeu
imediatamente vernaculania à palavra. A aclamação foi geral.
Quem sabe, talvez
devêssemos tomar café em xícara com ch.
Aí...Futebol, sempre
com a bola no pé, deu com o foot na ball e pediu a palavra.
Levantou-se muito inglês, posudo, com o respaldo do Banco de Londres
e da rainha, e com a aquiescência da Seleção, reivindicando que já
tinha grafia própria. Que mais lhe faltava? Disse que se fosse
banido não mais se faria jogo no Brasil.
A gleba de tricampeões
explodiu.
Nesse momento, Ludopédio
interveio:
“Vieste de longe, oh
inglês,
usurpar o meu lugar
tal qual fizeste às
Malvinas
E eu, como é que vou
ficar?
Mas ninguém deu bola
pra ele.
Língua Portuguesa,
perdendo a postura e compostura, quase perdeu também o rebolado.
Ficou nervosa. Em menos de um momento, concedeu vernaculania à
palavra.
O triunfo desses itens
lexicais estimulou outros tantos. Piano
levantou-se, liderando seus compatriotas, alguns bem famosos como
Ciao e Pizza, e reivindicou para os italianos
o direito à vernaculania.
O tumulo que se seguiu
foi geral. Saionara, Sputnik, Garçon e muitas outras
palavras, cada qual liderando um contingente de compatriotas,
gritaram por greve.
Língua português ficou
atordoada. Viu-se diante de uma guerra sonora tão calamitosa que, se
não fosse controlada rapidamente, desencadearia uma nudez
continental. Muito doidona, enfurecida pela pressão dos súditos
fiéis e vencida pelos argumentos incontestáveis dos componentes de
seu próprio corpo, nomeou a Lingüística por interventora. Esta,
embora sob protesto, deu fim à baderna. Pôs os pontos nos is
explicando à mui formosa senhora toda a complexidade de sua
estrutura. Ela compreendeu. Sorriu, deu de ombros e, assumindo sua
própria natureza, dissolveu a Assembléia. Os súditos mais fiéis
ficaram a ver navios e a Língua evoluiu, entrando por uma perna de
pinto e saindo por uma perna de pato...
A fábula acima serve
para evidenciar que o empréstimo lingüístico é tão antiga quanto
a história da língua, ou melhor, quanto a própria língua.
Estes marcam as
influências que uma língua A, veículo de uma cultura, sofreu
através dos tempos, pelos elementos lingüísticos estrangeiros que
adotou, retrato dos elementos culturais diversos, que também
importou.
Mas... o que a fábula
omite é que se a língua A não diversifica seu tipo de empréstimo
(de línguas B, C, D), se permanentemente adota-os da língua B, vai
se tornando cada dia mais diferenciada de si mesma, perdendo a
própria identidade, lingüística e cultural.
E, como diz o filólogo
Antonio Houaiss, a história nos ensina que os povos que assim o
fizeram tornaram-se facilmente manipuláveis, acabando por perder a
sua identidade, sua independência e, com ela, sua liberdade."
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, Nelly.
Empréstimos Lingüísticos
PALÁCIO, Adair Pimentel.
Guató, a língua dos índios canoeiros do rio Paraguai.
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ResponderExcluirObrigada pelo comentário! Acessei "Contando Historia" e adorei!
ResponderExcluirUm beijo