HISTÓRIA DA MINHA VIDA
PREFÁCIO
Nascer
e crescer no século passado, numa família numerosa exatamente
quando o país atravessava por momentos históricos marcantes e
dificeis, num mundo particularmente ditador, a década dos anos
trinta, onde a família era basicamente uma unidade econômica: todos
trabalhavam e o pai era o chefe do empreendimento familiar, foi sem
sombra de dúvidas marcado pelo sofrimento.
As
crianças eram vistas como se fossem pequenos adultos, trabalhavam
como trabalham todos e não recebiam nenhuma atenção especial. E o
desejo era que crescecem logo. Naquele tempo não existia a
adodescência, e a transição para a fase adulta começava assim que
o menino ou a menina se mostravam capazes para carregar pesos. Elas
só serviam para ajudar os pais em suas tarefas, e cuidar dos irmãos
menores, que aliás chegavam um a cada ano.
Por
outro lado, as mulheres trabalhavam de verdade, pois estavam
envolvidas na produção da roça e ainda por cima tinham os
afazeres da casa.
Pensando
muito em tudo que aconteceu em torno desta família e de mutas
outras, que viajei ao passando, ouvindo minha querida mãe contar
sua trajetória de vida, que resolvi ajudar a realizar o seu sonho,
um sonho que servirá de reflexão para seus descentes.
Eliane
Santos
APRESENTAÇÃO
“Há
muito tempo que tive um pensamento: “ Escrever a história da minha
vida”. Mas, como? Até que chegou este momento, e agora me sinto
uma pessoa aliviada, pois quero que esta história sirva de exemplo
para meus filhos, netos e bisnetos. E, quem sabe para os demais
jovens que de uma forma ou de outra fazem parte da nossa família.
Sempre
que tenho a oportunidade, converso com meus netos, e conto para eles
alguns dos episódios da minha infância e juventude, se é que posso
chamar de infância e juventude tudo o que vivi. Nestes últimos dias
tenho conversado muito sobre este meu desejo com Eliane, minha filha
mais velha. Daí a idéia de ir para o seu Sitio Arco Verde e dar
início a História da Minha Vida. “
Therezinha
Vieira Leal
Agradecimentos
Meus
sinceros agradecimentos a minha filha, por tornar realidade o meu
sonho. Também a todos os amigos e familiares que apoiarem minha
iniciativa e entender melhor o porque de meu comportamento em
diversas situações da vida em família.
Therezinha
Vieira Leal
INTRODUÇÃO
Minha
filha Eliane, sempre querendo que eu fosse para o Sitio, e eu nem
sempre me sentindo disposta para estar no convívio da natureza e
ela sempre questionando o porquê. Então, eu comecei a contar a
causa deste sentimento, que é um sentimento de tristeza, que só eu
sei, pois, passei boa parte da minha juventude em lugares isolados,
para melhor dizer, no mato e foi lá onde vivi momentos difíceis
que carregarei para sempre em minha memória. Posso até dizer que
tudo que passei fez de mim a mulher que sou até hoje, corajosa e
desafiadora. Apesar de não ter estudado e não ser rica, Deus me deu
discernimento, sabedoria e inteligência para resolver problemas e
ajudar os que precisam. Tenho alegria de viver muito forte dentro de
mim. Amo minha família e peço a Deus proteção para todos. Tenho
orgulho de meus filhos por serem o que são. Amo muito meus netos.
Ah, como os amo! Meus bisnetos então, nem se fala. Parece que esse
amor vai aumentando a força, à proporção que nos multiplicamos. É
este amor que me faz viver.
CAPÍTULO
I
Eu
nasci em Lage, interior da Bahia, próximo á Jaguaquara, na própria
fazenda em que residia, em 29 de agosto de 1933, sendo a filha caçula
dos dez irmãos, sete mulheres e dois homens, sendo um falecido.
Minhas irmãs eram Ailda, Elizabete (Nina), Filadélfio (Velho),
Ranulfo (Peco), Laudilira (Lira), Áurea (Mulata), Francisca
(França), Clotilde (Tidinha), e eu, Terezinha. Meu pai se
chamava-se Germinio Alves Vieira e minha mãe, Adelina Santos Vieira.
Eles eram proprietários de uma grande fazenda e viviam das
atividades da mesma. Minha mãe já não esperava por mais filhos,
pois a penúltima já tinha seis anos e justamente no aniversário de
sete anos da minha irmã Clotildes, é que eu nasci. Foi uma gravidez
que ninguém tomou conhecimento, pois minha mãe ocultou e isto foi
uma surpresa para todos. Ela nem se preparou para me esperar. Quando
eu nasci, minha irmã mais velha Ailda, foi quem emprestou algumas
roupas que ela preparava para receber seu filho, Toinho, o qual veio
ao mundo dois dias após o meu nascimento. Me tornei uma filha muito
apegada a minha mãe e a minha irmã, Áurea. Fui amamentada até os
sete anos. Me lembro que eu costumava tirar minha mãe do trabalho,
através de pequenas mentiras só para tê-la perto de mim, a fim de
mamar. Nesta época, além da minha irmã Ailda , Nina também já
era casada.
Ainda
muito pequena, a nossa vida tomou um rumo de sofrimento pois o meu
pai resolveu vender a nossa fazenda para o meu Tio Viriato, irmão da
minha mãe. Aproveitando-se de uma palavra mal colocada no documento
ele se apoderou da fazenda e não pagou nada para o meu pai, a não
ser com a entrega de dois jegues. Depois disso, sei que passamos por
muitas dificuldades.
Fomos
morar numa casa de taipa, construída pelo meu pai , num lugar
chamado Horizonte, onde não morava ninguém, era uma mata virgem e
víamos de caça. Não consigo lembrar muito desta época, mas, sei
que neste lugar os animais selvagens, onças, etc eram frenqüêntes.
Não havia meio de transporte a não ser andar léguas e mais léguas
para se chegar num povoado mais próximo. Minha irmã Ailda, mãe de
Onofre e Toinho, ficou morando no Horizonte e lá nasceram seus
últimos filhos, Miguelzinho, Maria da Gloria e Maria Angélica, as
quais mencionarei nos próximos capítulos.
Após
esta fase, começo a recordar de episódios tristes da minha vida.
Aos quatro anos de idade nos mudamos para Oricó, onde meu pai
conseguiu comprar uma fazendinha, de onde tirava o sustento da casa.
Minhas irmãs e irmãos trabalhavam plantando e colhendo café,
mandioca, milho, batata, iambu, inhame, andu, mangalô, fava,
laranja, mamão, etc, para que meu pai levasse para vender em
Itaquara.
Me
lembro que meu pai bebia muito e chegava em casa muito tarde, montado
num cavalo, que era quem o guiava pois ele não tinha condições nem
de montar, as pessoas é que o colocavam no animal. Eu ficava
aguardando meu pai, pois ele sempre trazia para mim um pão da
cidade, e isto ficou marcado para sempre em minha vida.
Recordo
ainda, que minha mãe sempre me mandava para a casa da minha irmã
Clotildes, que morava no Riacho Seco . Ela me colocava para fazer
comida, eu era tão pequena que precisava subir num banquinho para
alcançar o fogão. Ela era casada com Toninho e ele era muito
exigente, muitas vezes chegando a ser um homem severo. Me lembro que
fui montada á cavalo para buscar leite na casa do pai dele,
Amancinho, o qual também era casado com outra irmã minha, Nina,
que era minha madrinha. O cavalo amuou e por isso ele quis me bater
em público, não aceitando a refusa do cavalo. Então, Roque, um
rapaz que amançava animais resolveu montar no cavalo. Não deu
outra, o cavalo fez pior e Roque terminou quebrando a sua perna .
Depois
desta fase, já com sete anos de idade, meu pai resolveu ajudar meu
irmão a comprar umas mulas para que ele trabalhasse com transporte
fazendo frete. Nesta época o meio de locomoção era através de
animais. Para isto, meu pai teve que ir trabalhar como caseiro na
fazenda do meu padrinho Ló em Itaquara, onde todos nós tínhamos
que trabalhar na colheita de café para sobrevivermos. Me lembro que
nesta idade, eu já trabalhava para meu próprio sustento. Foi um
período de muita humilhação, pois tomando conta desta fazenda,
tínhamos que dar conta de tudo. Imagine que meu padrinho contava os
ovos por dia e tínhamos que pagar pelos ovos que faltavam, mesmo se
as galinhas não pusessem.
Aos
nove anos de idade, minha irmã, Olívia, resolveu levar agente para
Jitaúna. Para isto, meu pai se desfez da fazendinha no Oricó e
partimos para mais uma etapa da vida, eu, meu pai, minha mãe, minhas
irmãs Áurea, França, Lira e Toinho, meu sobrinho. Nestas mudanças,
não levamos nada mais do que umas trouxinhas, cada um. Saímos do
Oricó andando e com as mulas carregando nossas trouxinhas até
Jaguaquara, cuja viagem demorou dois dias de caminhada. Dormiamos nas
calçadas das estações de trem, ao relento, comendo coisas que o
povo vendia por ali. Me lembro que o leite que tomei foi o da minha
mãe.
Chegamos
em Jaguaquara e pegamos o trem para Jequié. Chegamos á noite na
estação de Jequié e lá fomos para um casebre com um único vão,
onde passamos a noite dormindo no chão com uma única coberta. No
dia seguinte, fretamos um burro para levar nossas trouxas e seguimos
andando para Jitaúna, onde ficamos na casa de Olívia até que meu
pai comprasse um terreno nas proximidades. Por fim, conseguiu comprar
um terreno a três léguas de Jitaúna e neste lugarejo tivemos que
alugar uma casinha até que meu pai construísse uma casa no terreno.
Durante a viagem de Jitaúna para o lugarejo levamos um dia de
viagem andando, quando cheguei estava com assaduras nas pernas de
tanto andar.
A casa que alugamos era de taipa na terra pura e
dormíamos no chão. A casinha era desprovida de tudo, não tinha
cama, não tinha móveis, não tinha fogão, não tinha nada, só as
nossas trouxinhas. Nesta época, Áurea, era quem mais sabia ler e
escrever e com isto dava aulas. Eu aprendi a ler com treze anos de
idade e estudei até o terceiro ano, pois tive que ir para roça e
além disso meu pai adoeceu não pude mais estudar. Meu pai contraiu
uma úlcera cancerosa e sofreu muito até morrer. Neste terreno,
meu pai construiu uma casa também de taipa e lá reconstruímos
nossa vida, fazendo as mesmas coisas que fazíamos antes, plantar e
colher. Alugamos uma barraca na feira de Jitaúna e vendíamos.
A minha adolescência foi sacrificada pelo trabalho, apesar de ser
considerada uma moça bonita, não tinha namorado e não tinha
coragem de ter, pois tinha vergonha dos rapazes que apareciam pois
tinham melhores condições que eu, principalmente porque eu era uma
pobre feirante. Vivemos alguns anos neste e lugar e daí alugamos uma
casa para fazer um pensão num lugar chamado Apuarema. Então nossa
família ficou dividida. Minha mãe, minha irmã Olívia e Toinho
ficavam em Apuarema. Toinho trabalhava como sapateiro. Eu, minha
irmã Áurea e meu pai, continuamos morando na roça.
Nesta
época recebi o recado da minha irmã mais velha, Ailda, que estava
grávida e precisava da minha ajuda. Ela estava grávida de Maria
Angelica. Minha irmã morreu e deixou os filhos comigo dizendo antes
de morrer que vinha buscar as filhas. Por ironia do destino, a
primeira morreu porque tomou uma lavagem que perfurou o intestino. A
lavagem naquela época era feita com a tripa do porco. A história da
segunda também foi muito triste. A menina teve a orelha furada e deu
tétano. Eu já tinha 13 anos quando sai desesperada para levar ao
hospital de Jequié. Estava na estrada esperando um ônibus, quando
um caminhoneiro passou e me deu a carona até o hospital. Esse
caminhoneiro no futuro veio a ser o marido de minha comadre Nice, que
batizou Eliane. Chegando no hospital a menina faleceu. Voltei para
casa de ônibus com o corpo da criança nos braços. Porém, uma
senhora, por curiosidade quis ver a menina e saber o que tinha
acontecido. Foi ai que se assustou dizendo para todos no ônibus que
a menina estava morta. O motorista, então mandou eu saltar do
ônibus. Fiquei horas e horas no meio da estrada com a criança morta
em meus braços. Parece mentira, mas, era uma criança segurando
outra criança morta. E quando de repente, o mesmo caminhoneiro que
estava retornando, para Jitaúna me avistou de longe e me deu
carona de volta. CONT/...
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